Com a alegada intenção de preservar preservar a biodiversidade
local, o economista neozelandês Gareth Morgan apareceu com uma proposta
radical: eliminar os gatos da ilha. “Temos de tornar a Nova Zelândia um
ambiente livre de predadores. Eu defendo um ataque aos gatos que estão
soltos pelo país — eles estão destruindo nossa vida selvagem”, afirmou
Morgan, em entrevista ao site de VEJA.
Jogo de gato e rato — Gareth Morgan é um milionário
que passou boa parte de sua vida trabalhando em bancos e instituições
financeiras da Nova Zelândia — ele já foi considerado a décima pessoa
mais importante do país por uma revista local. Em 2006, ele deu início à
Morgan Foundation, uma instituição de caridade voltada a ajudar os
pobres, incentivar a comunidade local e preservar a natureza do país. O
novo alvo da fundação são os gatos.
No início deste ano, o grupo deu início a uma campanha chamada Cats to Go.
A premissa é simples: os gatos soltos devem ser banidos do país. Se um
habitante da ilha quiser ter um gato, ele deve manter o bichano dentro
de casa, castrado e confinado 24 horas por dia. “Se você não for capaz
de manter o animal dentro de casa, deve considerar a possibilidade de
este ser seu último gato”, diz Morgan.
O economista propõe que cada animal com dono receba um microchip. Se
forem vistos na rua, serão devolvidos para sua casa e seu responsável
receberá uma multa. Já os gatos de rua, sem nenhum dono ou registro,
seriam capturados, enviados para o governo e sacrificados. “Obviamente,
eles seriam mortos de maneira absolutamente humana”, afirma. Morgan
garante que, desse modo, em apenas uma geração os gatos estariam
eliminados do país — e os pássaros livres para viver, se reproduzir e
repovoar as florestas locais.
Fera felina — A Nova Zelândia é conhecida por sua
biodiversidade única. Isoladas do resto do mundo por imensos oceanos, as
ilhas que formam o país foram o ambiente ideal para o surgimento de
novas espécies de insetos, pássaros, anfíbios e répteis. Sem ter de
enfrentar nenhum tipo de mamífero predador, algumas aves locais, como o
kiwi, um dos símbolos nacionais, não chegaram nem a desenvolver a
habilidade de voar. Com a chegada dos humanos no século 13, e o
consequente fluxo de cães, gatos e ratos, a carnificina foi enorme.
Hoje, cerca de 40% das espécies nativas de pássaros estão extintas, e
37% das que sobraram estão em risco de extinção.
Ao mesmo tempo, a Nova Zelândia também é o país com o maior numero de
gatos por pessoa no mundo. Mais de 48% das casas têm um ou mais felinos
de estimação — ao todo, são mais de 1,4 milhão no país. Para os donos,
eles representam uma companhia valorosa. São animais dóceis e
carinhosos, que vivem em harmonia com os seres humanos há mais de 9.000
anos. No entanto, longe das vistas humanas, eles se revelam um eficiente
predador. O mesmo estudo publicado na revista Global Change Biology diz que eles já contribuíram para 14% das extinções modernas de pássaros, mamíferos e répteis.
Segundo outra pesquisa, publicada nesta semana na revista Nature Communications, os gatos domésticos são responsáveis pela morte de entre 1,4 e 3,7 bilhões de pássaros todos
os anos nos Estados Unidos. O perigo, no entanto, é global: a União
Internacional para a Conservação da Natureza considera o gato doméstico
uma das cem piores espécies invasivas do mundo.
Em algumas cidades, o número de gatos é tão alto que eles matam os
pássaros em um ritmo mais rápido do que eles conseguem se reproduzir. “O
pior é que os gatos não matam porque têm fome, como mostra um
experimento famoso, mas por instinto, por prazer. Se nos importamos com o
meio-ambiente, temos que tomar uma atitude”, diz Morgan. O estudo a que
Gareth se refere foi publicado em 1976 na revista Behavioral Biology e
não conclui de forma definitiva, como ele afirma, que os gatos matam
por prazer. De acordo com a pesquisa, apesar de ter comida suficiente,
os gatos sempre a deixavam de lado para matar um rato. Os pesquisadores
argumentaram, porém, que pode ser uma estratégia instintiva para manter
um suprimento de comida, dada a dificuldade de encontrar alimento em
ambiente selvagem.
Racismo animal — A proposta de Gareth Morgan passou
longe de ser uma unanimidade na Nova Zelândia, irritando desde donos de
bichos de estimação a organizações de defesa dos direitos dos animais. A
Sociedade para a Prevenção de Crueldade contra os Animais (SPCA, na
sigla em inglês), por exemplo, chamou a campanha de selvagem e
classificou Morgan como um fanático moderno, autoproclamado salvador das
aves. “Infelizmente, os gatos domésticos são vistos como animais
descartáveis. Os gatos de rua são resultado da irresponsabilidade de
pessoas que largam seus animais para se defenderem sozinhos. Eles não
têm culpa por sua existência e, por isso, temos que assumir a
responsabilidade por seu bem-estar”, escreveu Bob Kerridge, diretor
executivo da SPCA em um artigo publicado no jornal The New Zealand Herald.
Kerridge ainda comparou a campanha aos ataques que os gatos sofriam
durante a Idade Média, quando eram caçados por pretensas associações com
o demônio, e disse que existe um verdadeiro exército de cuidadores de
gatos dispostos a se levantar em revolta se Morgan mantiver a campanha.
“Um perigo ainda maior que pode surgir dessa doutrina de ódio aos gatos é
a aparição de extremistas que terão um grande prazer em abusar e
machucar os animais, já que sua raiva foi ainda mais inflamada. Nesse
caso, Morgan será totalmente responsável”, afirmou.
O apresentador de TV e escritor Brian Edwards acusou Morgan de
racismo animal, pois o economista estaria escolhendo quais seriam as
espécies boas, dignas de viver, e as ruins, que devem ser eliminadas.
Enquanto é bombardeada pelos amantes de gatos, a proposta de Morgan
também recebe apoio: uma petição postada no site da campanha Cat to Go recebeu
até agora mais de 2.300 assinaturas a favor do projeto. “Recebi muitos
e-mails de ódio, mas também recebi mensagens de apoio. Vamos ver até
onde conseguimos ir com nossa proposta”, afirmou Morgan.
O projeto Cats to Go é radical ao defender a eliminação
completa dos gatos soltos do país, mas levanta uma questão importante: o
controle populacional dos animais de estimação. Campanhas de castração
de gatos são importantes, não só para defender o meio ambiente, mas
também para a própria saúde do animal. Castrados, eles saem menos de
casa, deixam de se expor a uma série de riscos e vivem mais. Agora, se o
dono quiser ter certeza que seu animal não matou nenhum pássaro
inocente e garantir que não terá de carregar nenhuma ameaça à
biodiversidade na consciência, basta uma medida simples: manter o gato
dentro de casa .
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